Fred, a catarse e o valor do ídolo

Por Carlos Eduardo Mansur

Difícil achar neste 2022 uma imagem mais forte, síntese de todo tipo de emoções que o futebol é capaz de provocar, do campo à arquibancada. Ao marcar pela 199ª vez com a camisa do Fluminense, Fred corre alucinadamente, como se fosse a primeira vez. A expressão em seu rosto muda gradativamente, frame a frame, passada a passada: de um sorriso a um grito, do grito ao choro. De repente, o mais experiente daquele campo é um homem indefeso, inapelavelmente vencido pelas emoções. Ao fundo, mãos, braços e lágrimas de mais 50 mil pessoas, crianças, jovens ou idosos, todos igualmente entregues à catarse. É por momentos assim que o futebol vale a pena.

Mas há outra cena igualmente tocante, valiosa, carregada de significado. O jogo já terminara, Fred já vagara pelo campo. Era possível ver nele alguém disposto a fazer o tempo parar, estender aqueles últimos momentos. Era possível, por vezes, confundi-lo com um juvenil desfrutando de seu primeiro dia de Maracanã. O camisa 9 se aproxima da mureta que divide campo e arquibancada e passa horas envolto num dos maiores abraços coletivos da história do estádio. Pacientemente, passa longos minutos entre cumprimentos, sorrisos, beijos e autógrafos. Quase todos os que o rodeavam eram jovens tricolores, crianças ou adolescentes. Ainda que involuntariamente, Fred nos lembrava de algo que o futebol brasileiro, nestes tempos de globalização, por vezes sente falta: o ídolo, o jogador que é o rosto de um clube.

Fred é celebrado pelo grupo do Fluminense — Foto: André Durão

Fred é celebrado pelo grupo do Fluminense — Foto: André Durão

Esta é uma relação construída por uma soma complexa de fatores difíceis de encontrar numa só pessoa. Envolve talento, carisma, tempo e, acima de tudo, pertencimento. Ir ao estádio ver Fred, o Fred do Fluminense. Nunca foi simples construir relações assim, mas a condição de país exportador, membro de uma espécie de periferia deste futebol globalizado e concentrado na elite europeia, nos fez desfrutar de nossos candidatos a ídolos como se vivêssemos uma contagem regressiva. Eles nascem, emigram e nos obrigam a torcer pelas revelações de nossos clubes vestidas em outras cores. Vínculos frágeis, estes. Porque o pertencimento precisa do tempo, que no Brasil se tornou inimigo do talento. Os mais talentosos, cobiçados pelo exterior, saem ainda adolescentes. Não é simples olhar para um jogador e ter a certeza de que se está diante de um dos maiores ídolos da história de um clube brasileiro. E Fred, mesmo sem ter sido criado no clube, mesmo tendo chegado ao Fluminense após ter vivido sua experiência europeia, é talvez o maior ídolo da história tricolor para muitas gerações de torcedores do clube.

Ocorre que, mais do que tempo, Fred e Fluminense viveram uma soma de circunstâncias muito peculiares, a ponto de ajudar a moldar uma relação da qual os dois lados se alimentaram, solidificando a ligação entre clube, jogador e arquibancada. Fred encontrou um Fluminense com ambições de conquista, mas também um clube em busca da cura: meses antes de sua chegada, vivera um dos grandes traumas de sua história recente ao perder, em casa, a final da Libertadores. A ferida ainda estava aberta e parecia difícil de cicatrizar. E o primeiro ano do atacante nas Laranjeiras coincide com a jornada de um time que, sob qualquer olhar sensato, estava desenganado, condenado ao rebaixamento. Fred foi o condutor de uma histórica operação de resgate. E, dali em diante, seria o símbolo de uma escalada rumo às conquistas. Vieram dois Brasileiros, em 2010 e 2012, este último em que o centroavante foi protagonista indiscutível.

Mesmo após um período fora, Fred e o Fluminense entenderam que a última dança precisava ser num Maracanã vestido de tricolor. No próximo sábado, chegará ao fim uma história que, ao todo, chega a pouco mais de nove anos. A despedida será num Maracanã lotado de gente disposta não apenas a se despedir, mas a honrar uma história. Será uma festa para Fred, mas também uma celebração desta experiência de que tanto sentimos falta: aplaudir, gritar o nome de um jogador que parece parte de sua comunidade. O futebol precisa de laços, de pertencimento. Jamais teremos a medida exata do valor de um ídolo.

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andre.luiz
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4 comentários

  1. Lindo texto do meu xará Mansur. Não tem como ler algo sobre o Fred, rever o jogo de sabado dos 38 minutos em diante sem se emocionar. Será uma semana arrastada, que vai demorar a passar, pois o tempo parece que parou.
    Frederico muito obrigado por tudo!

  2. Maintenant que de nombreuses personnes utilisent des téléphones intelligents, nous pouvons envisager le positionnement des téléphones mobiles via des réseaux sans fil ou des stations de base.

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