Treinador já mostrou adaptações ao elenco, mas nunca deixa a lógica de implementar um futebol solidário, com toques curtos, como uma tradicional roda de bobinho
Goste ou não goste, uma coisa é certa: Fernando Diniz é um técnico autoral. Suas equipes têm uma marca registrada, seja quando vencem e jogam bem ou jogam mal e perdem. A segunda passagem pelo Fluminense, oficializada nessa semana, é mais uma oportunidade de mostrar que a assinatura do treinador pode render um time competitivo e vencedor.
Fernando Diniz no treino do Fluminense — Foto: Mailson Santana/Fluminense
Diniz carrega a ideia de ser um treinador ofensivo ao máximo, que gosta de times que joguem com passes curtos, controle da bola, que tenham uma postura avançada e agressiva o tempo todo. Esse estigma esteve presente em dois momentos distintos:
- A primeira parte da carreira, desenvolvida no Audax e em clubes de menor investimento, passava a imagem de um técnico pouco maleável, que obrigava o goleiro a sair pelo chão e muitas vezes pecava por ter a bola por muito tempo, mas não conseguir transformar isso em gols ou superioridade.
- Na segunda fase da carreira, que começou no Athletico, Diniz mostrou adaptação, times mais organizados no momento defensivo e flexibilidade. Durou pouco, seja pela falta de resultados (Santos, Vasco, Flu) ou pelo desgaste com o elenco (São Paulo).
Qual é o Diniz que o Fluminense reencontra agora?
Uma boa investigação não está em seus times anteriores, mas no que ele já disse em coletivas: sua filosofia não tem nada a ver com posse de bola, Guardiola ou outros memes que correm por aí. Diniz enxerga o futebol como uma ferramenta para interpretar a vida. Relaciona valores morais com atitudes no jogo. E quer despertar, em cada jogador, a paixão de criança que passava as tardes após a escola jogando na rua ou em rodas de bobinho.
O futebol de rua é um dos alicerces do futebol brasileiro. Num país pobre e de grandes dimensões, campinhos de terra, ou em má condições, eram o celeiro ideal para crianças disputarem um jogo no qual a organização coletiva tinha um peso menor do que a iniciativa individual. Por isso, atributos como o drible tinham um peso imenso para decidir partidas. Daí, vem a ideia de posicionar os mais talentosos na frente e os mais lentos ou menos técnicos atrás.
Como? Simples: toca de pé em pé tanto para levar a bola da defesa ao ataque como para impedir que o adversário retome. Instrumento ofensivo e defensivo (afinal, se o adversário não retoma, como ele ataca) ao mesmo tempo.
Diniz quer colocar essa lógica em seus times. Algo que esteve presente desde o Atlético Sorocaba, seu primeiro trabalho, e vai estar no Fluminense. De formas diferentes, todos os seus times executavam o que o São Paulo de 2020 faz na imagem abaixo: aproximação, com os meias próximos da bola. Se a distância é menor, o passe é mais curto e fica mais fácil de ser feito, podendo ser executado pelos mais e menos técnicos.
Aproximação para o passe ser curto e executado por todos: gênese dos times de Diniz — Foto: Reprodução
Outro ponto fundamental, e que gera consequências positivas e negativas aos times de Diniz, é o comportamento dos atacantes. A roda de bobinho pede um toque curto e rápido. Algo que exige um posicionamento corporal específico dos atacantes: para participar, eles precisam estar de costas para o gol, de frente para a bola. Assim possuem a chance de tocar na bola.
Diniz gosta de atacantes que jogam de costas — Foto: Reprodução
O desafio de Diniz não é necessariamente implementar seu estilo. Por onde passou, seus times assimilaram as ideias e jogaram até que bem nos primeiros jogos. O grande exemplo é o Vasco, que fez bons jogos, com uma vitória sobre o então líder da Série B, e caiu de rendimento. O desafio de Diniz, na carreira e no Flu, é tornar essa roda de bobinho competitiva o suficiente contra adversários de um nível maior.
Diniz tem uma visão muito humana sobre futebol e relaciona atos do jogo com valores morais. A coragem, por exemplo, é vista como o ato de atacar, manter a bola e ir jogar lá no campo do adversário. A solidariedade e o espírito de grupo é a posse, porque é ela que conecta todos os jogadores, inclusive o goleiro. A superação faz Diniz apostar em jogadores tidos como “refugos”, como Camacho, e em outros que poderiam não se desenvolver, como Tchê Tchê.