Rodrigo Capelo: os buracos na Lei da SAF

Mal sabe o torcedor quantos negócios serão arriscados pela insegurança que uma lei mal escrita causa

Se hoje Ronaldo encara dificuldades para finalizar a compra da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro, é possível encontrar alguns dos responsáveis pelo problema muito distantes de Belo Horizonte e até de Minas Gerais. Eles têm gabinetes em Brasília, consomem dinheiro público para legislar e estavam loucos para posar de salvadores do futebol brasileiro.

São senadores como Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Carlos Portinho (PL-RJ). O primeiro é autor da Lei da SAF, que estimula a migração do futebol para a estrutura empresarial, enquanto o segundo foi relator da mesma lei e principal responsável pela condução do projeto.

A legislação não é ruim como um todo. Eles ofereceram soluções para questões como tributação (com alíquota simplificada) e proteção de símbolos e tradicionais (ao permitir que associações vetem mudanças drásticas, mesmo com participações minoritárias nas empresas). Mas havia buracos. Esses parlamentares foram questionados, foram avisados, e nada fizeram.

Vejamos o caso concreto de Ronaldo no Cruzeiro. Na oferta vinculante que o empresário assinou, em dezembro, está escrito que a SAF participará do pagamento das dívidas da associação nos termos da lei. Ou seja: ele repassará 20% do faturamento e 50% de eventual lucro da empresa para que o clube pague dívidas cíveis e trabalhistas. Nada mais.

E as dívidas tributárias? A Lei da SAF não prevê qualquer quantia. Como é? O Cruzeiro tem cerca de R$ 400 milhões pendurados com o fisco, renegociou com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e tem um parcelamento gigantesco a quitar. Como a associação poderia pagar essas parcelas, se quase todas receitas foram para a SAF? Pois é. Não poderia.

 

Perguntas e respostas: as mudanças pedidas pelo ex-jogador e o futuro da SAF

Ronaldo precisará se desdobrar para resolver aquilo que os senadores não fizeram. A equipe dele propõe um novo refinanciamento, ao qual aceitará se responsabilizar pelo pagamento, desde que os centros de treinamento, que ficariam com a associação, passem para a SAF.

Por que um legislador montaria um projeto de lei dessa importância, sabedor de que clubes de futebol têm imensas dívidas com governo, sem colocar no texto, por exemplo, que outros 10% da receita deveriam ser direcionados ao fisco? Por que contemplar obrigações trabalhistas e cíveis, mas não as tributárias? Perguntas que os senadores nunca conseguiram responder.

A chance de calote no governo é baixa, segundo advogados que venho ouvindo nos últimos meses. Não por mérito da Lei da SAF, e sim porque o Código Tributário Nacional estabelece, em seus artigos 132 e 133, que empresas que resultarem de fusões, transformações ou incorporações serão responsáveis pelos tributos devidos. Em português claro, Ronaldo acabará pagando toda a dívida tributária do Cruzeiro, tenha ou não a incluído na negociação.

Não custa ligarmos o sinal de alerta em todos os clubes-empresas e sempre fazer as seguintes perguntas. Como a dívida tributária será paga? O futuro proprietário fará aporte adicional — como John Textor fará no Botafogo? O que o parlamentar não resolve, sobra para a sociedade.

E não demora para que esses mesmos senadores apareçam por aí a abraçar dirigentes e donos de clubes, certos de que a população os verá como responsáveis pela nova era. Mal sabe o torcedor quantos negócios serão arriscados pela insegurança que uma lei mal escrita causa.

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andre.luiz
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